quinta-feira, 13 de maio de 2010

A vida em um comercial de margarina



Sou fã incondicional de comerciais. Publicidade sempre foi uma paixão que cultivei. Comerciais criativos que às vezes nadas têm a haver com o produto, um bom exemplo é o do “cachorro-peixe” de uma fabricante de automóveis. Tão estranho quanto o animal era o seu dono. Estranho porque ele era como nós. Um cara que passa por aí e você nem vai notar. Na verdade houve sensibilidade em representar um ser humano normal.

Bem. O que quero dizer é que na maioria das vezes é veiculado um estilo de vida em que você é perfeito não tem aborrecimentos, não envelhece, sua barriga é um tanquinho, as mulheres são sempre bem humoradas. — Gostaria de viver por uma manhã um comercial de margarina. — Acordar em um ambiente estéril vestido de branco, ver meu querido filho comportado comendo feito um membro da família real britânica, tamanho os modos à mesa. Minha esposa em exatas sete horas da manhã sorrindo ao me servir o café, após uma noite breve de sono e completando a cena, vem minha filha de dezenove anos feliz da vida, mesmo estando no período, pois o remédio para cólicas e o absorvente a alivia e dá o conforto que ela precisa. Então saio e pego meu carro, cujo me põe no patamar dos homens bem sucedidos e desejados.

Cansaram? Vou explicar o motivo de tanto rancor. Sinto que querem nos vender a vida perfeita onde ter rugas, cabelos brancos, cabelos crespos, a falta de cabelo, estar acima do peso, e ter um carro com mais de cinco anos uso, constam nas escrituras sagradas como pecado imperdoável. Não há espaço para imperfeições. Somos encaminhados para uma sociedade para agirmos feito autômatos. Deprimente, não? Mas não tem problema, já existe a pílula da felicidade. Há comércio para tudo. Chegamos há um ponto que até o único recôndito não devassado de uma prostituta entrou na lista dos negócios. Dizia assim em negrito no anúncio de um jornal: Beijo na boca sem frescura. —Pobre Julia Roberts! Vão olhar o filme Pretty Woman e dizer o quão antiquado se tornou. — Isto é, só me deixará estarrecido se algum dia anunciarem que venderão caráter e honestidade em saquinhos escritos: INSTANTÂNEOS. Aí você já sabe...corre o risco do produto encalhar.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

In Memorian




Foi uma separação dolorosa. Diferente. Não havia ainda degustado esse tipo de perda. Não foi morte natural, talvez já estivesse moribunda. Posso eu ter negado os cuidados necessários.Até mesmo meu jeito relapso e inconseqüente, não sei. O que dói mais é não ter consciência do motivo do óbito. . Bem...mas esta é a primeira vez que perco um amigo em vida.Como todos, sigo meu caminho, pois tenho em minha vida pessoas muitíssimo preciosas a quem devo cuidar.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

É coisa para gringo não ver


Sou amante da cidade maravilhosa. Há exatos vinte e quatro anos, me instalei no bairro da Ilha do Governador. Toda vez que cruzo a ponte tenho a sensação de estar chegando em casa. O Rio é assim, um jeito provinciano. O Zé da padaria sabe como gosto do meu café com leite. Bem escuro, o leite é só para dar uma cor. De todos os lugares que morei não me lembro de uma visão tão encantadora como a da Baía da Guanabara. O sol surgindo por trás das montanhas refletindo alegria sobre nós ou vice-versa.
 
 O jeito pilhério e espirituoso estampado no rosto de cada nativo seja ele carioca do Rio grande do Norte ou de Belém do Pará, até mesmo de Portugal. Ser carioca não é um acontecimento geográfico, é um estilo de vida. É se aglomerar na banca de jornal em disputa por uma leitura parcial dos noticiários. Nas areias da princesinha do mar, plebe e realeza são uma só casta. É meu Rio, que de janeiro à dezembro é a verve de muitos poetas.

Entretanto, nem só de lirismo a capital fluminense se retrata. Existe o lado manchado dessa história à custa de sangue inocente. Balas perdidas que transfixam na vida dos ocupantes dessa nave. O caos e a dor de quem não têm onde morar, que ao contrário de Brasília, não houve planejamento e o progresso se resume cinco anos em cinqüenta. Cidadãos tratados como lixo e devidamente alocados em um aterro sanitário para chamar de lar. São os sócios da Miséria S/A, que não tem filiação na identidade de cidadão carioca.

Estava à caminho da faculdade pela via expressa Linha Vermelha que corta a favela da Maré. Ao longo da via foram colocados nas grades que delimitam a comunidade, placas de metal. Possuem uma geometria sinuosa que dá um forte apelo estético, entretanto é tácito o lado funcional. —Ocultar o contraste social— Não é possível ver a favela através desse material. É mais uma tentativa de jogar o lixo de baixo do tapete. Ali é o lar de vários despatriados que vivem em seu próprio país. Berço de quem não conhece seus direitos nem deveres. Ouvia-se sobre a existência de um estado paralelo, só que ainda não tínhamos nada que indicasse essa divisa.

  Neste inferno de Dante somente os Campos Elíseos têm espaço. Resta saber até quando manteremos essas plaquetas de belo design arquitetônico em nossos olhos.