Sou amante da cidade maravilhosa. Há exatos vinte e quatro anos, me instalei no bairro da Ilha do Governador. Toda vez que cruzo a ponte tenho a sensação de estar chegando em casa. O Rio é assim, um jeito provinciano. O Zé da padaria sabe como gosto do meu café com leite. Bem escuro, o leite é só para dar uma cor. De todos os lugares que morei não me lembro de uma visão tão encantadora como a da Baía da Guanabara. O sol surgindo por trás das montanhas refletindo alegria sobre nós ou vice-versa.
O jeito pilhério e espirituoso estampado no rosto de cada nativo seja ele carioca do Rio grande do Norte ou de Belém do Pará, até mesmo de Portugal. Ser carioca não é um acontecimento geográfico, é um estilo de vida. É se aglomerar na banca de jornal em disputa por uma leitura parcial dos noticiários. Nas areias da princesinha do mar, plebe e realeza são uma só casta. É meu Rio, que de janeiro à dezembro é a verve de muitos poetas.
Entretanto, nem só de lirismo a capital fluminense se retrata. Existe o lado manchado dessa história à custa de sangue inocente. Balas perdidas que transfixam na vida dos ocupantes dessa nave. O caos e a dor de quem não têm onde morar, que ao contrário de Brasília, não houve planejamento e o progresso se resume cinco anos em cinqüenta. Cidadãos tratados como lixo e devidamente alocados em um aterro sanitário para chamar de lar. São os sócios da Miséria S/A, que não tem filiação na identidade de cidadão carioca.
Estava à caminho da faculdade pela via expressa Linha Vermelha que corta a favela da Maré. Ao longo da via foram colocados nas grades que delimitam a comunidade, placas de metal. Possuem uma geometria sinuosa que dá um forte apelo estético, entretanto é tácito o lado funcional. —Ocultar o contraste social— Não é possível ver a favela através desse material. É mais uma tentativa de jogar o lixo de baixo do tapete. Ali é o lar de vários despatriados que vivem em seu próprio país. Berço de quem não conhece seus direitos nem deveres. Ouvia-se sobre a existência de um estado paralelo, só que ainda não tínhamos nada que indicasse essa divisa.
Neste inferno de Dante somente os Campos Elíseos têm espaço. Resta saber até quando manteremos essas plaquetas de belo design arquitetônico em nossos olhos.
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